Thursday, November 16, 2006

No Museu 3

Mausoléus e 1912, Annus Mirabilis
Uma visita à Gulbenkian a revelar homenagens mais ou menos involuntárias.
À entrada uma construção de livros e espelhos convida a óbvias vertigens e associações (um pouco como o assassino no Nome da Rosa, que só poderia ter aquele nome). A ilusão é de uma terrível eficácia, e é surpreendente a multiplicação do espaço no mais simples, confinado dos mecanismos ópticos. Um intervalo na biblioteca de babel, que se prolonga em intermináveis verticais forradas com o pensamento dos homens, um poço onde é fácil perder-se e flutuar.
Noutra sala um corredor amarelo transparente ampara o sono de uma pedra, suavemente deitada numa cama dura que para ela será de penas. Pela janela vê-se a natureza ou a liberdade, conforme o que se queira, do tamanho de um livro. Há três figuras informes que talvez sejam personagens de um sonho apanhado a meio, evoluindo com a lentidão própria dos minerais, impondo-se, como plantas no deserto, por entre os detritos cuidadosamente ordenados de um esqueleto gigante. O trabalho chama-se Fundação, mas poderia chamar-se Mario Merz Morre.
Na cave escura abre-se outra janela para o passado, a sugestão animada do paradoxo de Zenão. Um homem de fato preto corre na praia, fugindo em desespero. Chapinha a água e olha para trás, enquanto um perseguidor de fato branco se aproxima, está perto, sempre um pouco mais perto. E assim para todo o sempre.

Também há Amadeu, que teve o azar de ser português e a sorte de sair de Portugal. Se não soubesse pintar tão bem ou morrido cedo poderia, quem sabe, acabar como Duchamp, nascido no mesmo ano, ou Picasso, o super-atleta formal. Jogo inútil o das adivinhações. Seria Marlowe maior que Shakespeare se vivesse o mesmo, ou Galois maior que Leibniz, se não morresse aos 20 anos num duelo? Os pequenos e irrequietos prodígios de Sousa-Cardoso envelhecem bem, e tenderão a ganhar com o tempo o justo lugar na tapeçaria académica.
O outro “Amadeu”, o famoso, vinha de Itália, pintava mulheres, e tinha vida pessoal mais agitada. Vivesse ele trezentos anos e continuaria a pintar amantes afiadas de gestos leitosos vindos de África. Era a sua fórmula (hoje diz-se coerência). Haverá mesmo comparação?

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