Tuesday, November 07, 2006

Haiku 4

Um homem de princípios.
De Heidegger dizia Thomas Bernhard ser uma vaca filosófica constantemente prenhe, ruminando grandes questões de museu perdido na floresta negra, enquanto a mulher lhe tricotava a roupinha, longe da guerra e da vida. Especialista em ódios viscerais, Bernhard detestava igualmente Thomas Mann e a sua insuportável condição de “grande escritor”. Tudo nele tresandaria a alta cultura, a pegajosa gravidade, reservando para o seu diário, na verdade, importantíssimas descrições de diarreia e tentação pedófila.
Quando encontrou Furtwängler, criticou-o por se ter associado ao nazismo, ainda que passivamente, ao não sair da Alemanha nazi. Furtwängler respondeu que ficara para ajudar o povo alemão, ainda que apenas com música, a suportar o desastre que a si próprio havia destinado, e que além disso havia salvo dezenas de judeus. Mann não o perdoaria nunca, pois tratava-se de uma questão ética, não de acontecimentos objectivos. Depois regressava a casa, vestia a grande toga humanista, a mascarilha familiar e entregava-se às ideias de porta trancada, reservando-lhes o amor que negava zelosamente a cada um dos seis filhos. Esquizofrenia, disfuncionalidade e suicídio, pelos vistos, não passariam de mundanidades.

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