Sunday, February 18, 2007

Haiku 9


Caixinha de surpresas

No princípio, entrar no Smithsonian de Washington era uma aventura inesquecível, uma surpresa constante, uma viagem de descoberta e espanto por entre milhares de objectos reunidos em razoável desarrumação. Esqueletos, máquinas, desenhos, conchas, instrumentos, tudo convivia naquele primeiro edifício numa fascinante desordem que tornava praticável a ilusão de se habitar as entranhas de um gabinete de curiosidades setecentista, graciosamente amplificado para usufruto popular.

Um gabinete era o mundo em miniatura: uma estante para cada continente, uma gaveta para cada espécie, algumas esferas suspensas do tecto, ou então tudo saudavelmente misturado para o simples prazer da novidade.

Nos modelos originais a descoberta era privada, e vivia-se sobretudo nos grandes portos europeus, quando os navios regressavam das Américas carregando no porão fatias manobráveis do novo mundo, recolhidas para coleccionadores impacientes. Por alguns dinheiros levava-se para casa todo o tipo de objectos (na verdade, sobretudo cadáveres) capazes de saciar imaginações febris e fascinar os convidados.

Os navios multiplicaram-se e o mundo cresceu. Os gabinetes de curiosidades também cresceram e depois morreram, para que surgissem os museus, inevitavelmente especializados. E com eles, de certa forma, o fim da aventura.

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