Thursday, January 04, 2007

Panópticos 3

Sangue, suor e gesso
Quando Rodin mostrou as suas primeiras esculturas moldadas foi tido por impostor, tão perfeitos eram os trabalhos que reproduziam partes do corpo em tamanho natural. Acusado de fazer moldes directos e apresentá-los como representações, demorou tempo a provar o seu génio. No entanto, a ideia parece ter cativado espíritos atentos.
Da vasta galeria de pseudo-criadores inventados pelo cinema, Walter Paisley é dos mais notáveis e secretos, artista de carreira efémera (cinco esculturas, contando com a peça-suicídio, a sua “obra-prima”) e visionário (em 59 não havia vestígios de body art, hiper-realismo ou plastinação). Paisley é o criado de um café frequentado por artistas e boémios naquele que alguns dizem ser o filme de culto dos filmes de culto, “A bucket of blood” do grande Roger Corman, que antes das luxuriantes versões de Edgar Poe para a Hammer já treinava a mão com o mestre americano directamente ligado ao cérebro. Corman gabava-se de nunca ter perdido um dólar nos filmes que fez, e apesar de ser óptimo realizador, só se contratava a si próprio se isso lhe saísse mais barato enquanto produtor. A sequência de perseguição expressionista filmada em cenários ainda não destruídos de outros filmes é um exemplo típico de economia.
O plano de abertura basta para avaliar a singularidade do filme e o calibre de Corman: poesia instantânea e magnífico solo de saxofone em embriagado travelling para trás, introduzindo todo o cast e a figura atrapalhada do criado num pequeníssimo espaço fechado. Instigado pelos mandamentos do Zeus-declamador, que nunca repete um poema e defende a criação espontânea como única marca de vitalidade artística, Paisley vai apresentar-se como escultor para conquistar a admiração dos clientes e o amor da proprietária com uma versão original de nouveau réalisme: corpos assassinados cobertos de argila em vibrantes espressões de verdade. Ao propor matar a amada (que o rejeitara) para convertê-la em escultura imortal, Paisley comprova-se um genuíno autor, embora ridículo e perigoso de ter por perto.
Descoberto o seu “método”, sobra-lhe tempo para um último acto espontâneo, cobrindo-se de barro antes da forca. Ainda que o resto não prestasse, só a música chegaria para fazer deste balde um vintage série B.

2 Comments:

Anonymous Anonymous said...

olá ricardo, fizeste bem. ainda não vai ser desta que vou fazer um verdadeiro comentário mas isto é um começo.

abraço,
granja

3:39 PM  
Anonymous Anonymous said...

então? escreve mais. estás cansado de viver? kiss'n'roll

3:32 AM  

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