Saturday, December 30, 2006

Panópticos 2

Canto de cisne
A cena é justamente famosa
. Norma Desmond desce a escada do palácio para devolver-se inteira aos admiradores carentes, na derradeira manipulação do mordomo Max, o enigmático ex-marido e responsável pela laboriosa ficção que transportou para Sunset Boulevard. É uma Salomé enlouquecida na própria sedução que avança lentamente por entre corpos paralisados de espanto. O movimento sugere, pelo menos, duas coisas: Norma passeia como vedeta maior entre estátuas de cera no decadente museu que se tornou a mansão, e entrega-se ao mordomo que, pela última vez, dirige aquela por quem sacrificou a própria glória. É um gesto terminal para ambos, pungente e libertador. O tempo parou e Norma avança perante os mesmos figurantes do passado, técnicos de celulóide e inconfidências. O seu é um tempo exclusivo, enquanto a mansão é toda uma privada sala de cinema, a que os silêncios de Max e os rostos mortos nas molduras emprestam a legitimidade necessária: o caixão onde, junto com o cinema mudo, Norma se enterrou a si própria. Se Max repete que Norma é a maior das estrelas é tanto por genuíno amor de uma doença como para justificar a sua abdicação canina, que encontrara nela a forma material de um filme contínuo, uma secreta obra de arte, luxuosa e desértica, com protagonistas que são, ao mesmo tempo, espectadores do próprio cinema que fazem e habitam.
Enquanto desce calada, Norma é ainda digna, apesar de louca. Quando confessa a sua alegria aos presentes, é apenas um vestígio de algo irremediavelmente perdido.
Duas curiosidades: Gloria Swanson faz de Norma Desmond e o nome quase anuncia um programa (swan song, o adeus ao mudo, ou a uma forma mais a(pura)da de fazer cinema). O mordomo lembra o cão-robot de Nick Park em A close shave.

1 Comments:

Blogger Anjo élico said...

2007 elicas saudações... votos de muito ainda para dizer(es).

3:50 PM  

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