Miniaturas (6-10)

6. − Quando quero ouvir a voz de um fantasma – disse ela – apago as luzes, sento-me no sofá e ponho um disco da Nico; um qualquer. E tu?
− Eu, fecho os olhos e venho ter contigo – respondeu.
7. Já perdera a conta das vezes que os seus amigos haviam falado daquele lugar, das suas exóticas maravilhas, das novas aventuras em cada viagem. E continuava a ouvi-los com a discreta felicidade de quem quase aflora o paraíso. Não dizia a ninguém, mas tinha a certeza de ser esse o único lugar que jamais visitaria.
8. Era uma vez um príncipe que vivia num grande castelo, cheio de príncipes e princesas. Os criados eram todos príncipes como ele, os soldados, os agricultores, os padres eram também príncipes, e tudo em redor prosperava com tanta realeza. O conselheiro do príncipe, por seu lado, não era príncipe, mas um cão vadio e meigo, que no seu triste deserto de pêlo escondia, entre as pulgas, um pequeno planeta azul onde existiam também alguns príncipes, todos conselheiros de gigantescos, patéticos palácios vazios.
9. Ela disse: quando morrer vou brincar aos legos no outro lado. Cada peça uma cidade, uma viagem, um desejo. Sorriu com a certeza de não ser compreendida; e vagueava já na perspectiva mental de bizarros monumentos quando o Chapeleiro a interrompeu, irritado com a falta de maneiras. O chá estava quase frio! (para a G.)
10. Aquelas mãos recortando formas redondas no ar estavam sempre presentes, mesmo no escuro e no silêncio, entre vapores. Não conseguia esquecer o filme e o destino da mulher, que escolhera morrer no momento de maior felicidade. Apaixonar-se passou a ser a coisa que mais temia no mundo.
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