Friday, February 16, 2007

Haiku 7


E Deus cansado deixou que Adão também criasse

Nos saborosos anos 70, Yves Klein (ou Manzoni?) montou uma exposição com telas totalmente brancas, todas iguais à excepção dos preços (que variavam de forma aleatória) e dos títulos. Por avultada soma de dinheiro qualquer um poderia comprar não a assinatura, mas o título da obra.

A importância dos títulos é pretexto de outra história, talvez apócrifa: Buñuel, entre muitos, fazia os filmes primeiro e apenas no fim lhes dava nome. Quando terminou o “Charme discreto da burguesia” e encontrou este título, disse que nesse preciso instante o filme mudara, passara a ser outra coisa diferente. E é fácil acreditar na verdade.

Enquanto nomear aqui é dar sentido (ao contrário do Ménard de Borges, que vira o sentido com o mesmíssimo texto), para Boris Vian o que interessava era precisamente confundi-lo poeticamente, ou accionar em três palavras o charme discreto da patafísica. Pois é; já se sabe o que acontece a quem os deuses amam…

Na sua inesgotável capacidade de mágico intelectual, Walter Benjamim propõe a ligação estreita entre a palavra original e o objecto; um a extensão intencional do outro. Verdadeira ou não, é uma ideia encantadora. Para os gregos o nome era parte integrante, quase física, das pessoas, traduzia algo de essencial, como se enformasse em som um carácter distinto e irrepetível, desde o início fadado a íntima combinação. É essa espécie de impressão digital que condena Ulisses, num raro momento de vaidade e imprudência quando revela o nome verdadeiro a Polifemo, que assim pode apoderar-se dele e invocá-lo em maldições reclamadas ao pai, o diligente castigador dos oceanos. Ulisses que fora ninguém e se esquecera de o ser, pagará com suplementar errância o ódio de Posídon e a protecção de Zeus.

A acreditar nessa outra Odisseia que é “Lone Wolf and cub”, quase sempre historicamente irrepreensível, existiria algo desse poder e autoridade associado ao nome do guerreiro no bushido. Em situações de potencial conflito, sempre que Ogami Itto revela o nome é para confrontar o adversário em duelo mortal. A isso obriga essa revelação sensível. Tal como o Paul Atreides que mata com a palavra, também aqui o nome é sinónimo de morte.

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